Entre as lembranças que ressurgem do passado nestes dias em que a ‘crise’
política e econômica se intensificou, surgiu em minha memória o ‘Baú do João
Pereira’. Isso mesmo - um Baú de
madeira, grande, com dobradiças de ferro e forte cadeado cuja chave ficava sob
a responsabilidade da matriarca da família.
Num dia de festa beneficente na fazenda ‘dos Pereira’, tive a
oportunidade de ver o móvel instalado no quarto do casal a menos de um metro da
janela baixa que podia ser ultrapassada sem grande esforço. Houve missa,
quermesse, rodeio e leilão de um lote de gado – doação de produtores da região
- para angariar fundos para o asilo São Vicente de Paulo da cidade. A casa foi
aberta aos convidados e a família se revezava sentando no baú, certamente como
forma de segurança, ou talvez por falta de cadeiras para todos. Segundo as boas
línguas, a família guardava ali uma verdadeira fortuna, produto do trabalho com
a criação e comercialização de gado.
Era um tempo em que o BRASIL era um país de trabalho e respeito pela
propriedade e pela família, quando havia a verdadeira solidariedade e
fraternidade sem a imposição de governos e a religiosidade era motivação para o
convívio social.
Como muitos outros sitiantes da região, João Pereira era um homem
simples, de origem portuguesa, que adquiriu a propriedade (com recursos
próprios) de um loteamento feito pelo governo com a finalidade de fixar
famílias no interior e proporcionar o desenvolvimento econômico da região. Ele e
a família constituída de 4 filhos e três filhas dedicaram-se a agricultura de subsistência
e à pecuária - uma vida de muito trabalho que resultou em crescimento econômico
o que lhes permitia viver com conforto.
A casa grande de pé alto, construída em tijolo, com amplas janelas e
portas maciças de madeira, telhado de telha francesa, era espaçosa, mobiliada
com o essencial, sem luxos. Entre as comodidades, eles contavam com luz
elétrica e telefone, mais o carro – Ford - com motorista para a esposa e filhas
irem à cidade, além de charrete e os cavalos de raça para os filhos. Ele, o
chefe do clã, normalmente andava a pé. Terno de brim claro, chapéu de abas
largas em feltro escuro, botas e polainas pretas; quando circulava pelas
divisas das invernadas, usava uma longa e fina vara de bambu para se defender
do gado bravio.
A propriedade ficava na região do planalto a uns 6 km da cidade de Piraju;
era cortada pela estrada que ligava a cidade ao bairro do Cágado; de um lado
ficava a sede, a capela, os estábulos e as instalações para a industrialização
do leite; do outro lado da estrada
ficava a invernada onde a manada era mantida
até ficarem prontas para a comercialização e encaminhamento para engorda nas
invernadas do Mato Grosso e de Goiás. Os pequenos proprietários da região
quando necessitavam ‘realizar lucros’ vendendo parte do rebanho, recorriam ao
rico pecuarista. Negócio rápido, pagamento à vista em dinheiro vivo, direto do
Baú.
A lenda era de que, assim como ele não sabia quantas cabeças de gado
tinha nas invernadas, também não sabia quantos contos de reis tinha guardados
no Baú.
Certamente, um desses modernos sociólogos socialistas/marxistas o
classificaria hoje como um Coronel (!) dos tempos passados. Ledo engano. O
Brasil da época (primeira metade do século XX) era um Brasil onde a livre
iniciativa permitia que cada cidadão
fosse auto-suficiente, e que na cadeia econômica exercesse o papel que hoje o
Estado açambarcou juntamente com o sistema financeiro.
Os tempos mudaram. A família dos Pereira, como todas as outras, deixaram
a região. O que os pais fizeram, os filhos usaram e dispersaram; agora cabe aos
netos recomeçar... – como reza a tradição. A última vez que estive na região o panorama
era outro; as cercas de arame farpado
das invernadas haviam desaparecido; a propriedade dos Pereira mais as da
vizinhança haviam sido transformadas numa imensa ‘plantation’
de trigo – gerador de PIB.
O Brasil do século passado deu lugar a um Estado açambarcador de
direitos. Assim como os Pereira, muitos outros sitiantes da região tinham
reservas econômicas para viver de forma responsável, independente.
Ah! – e os
‘sem terra’ da época? – perguntarão os apressadinhos. Havia sem terra, mas eles
tinham o direito de, através de contratos particulares, arrendarem terras, ou
trabalhar no sistema de meeiros, parceiros ou terceiros com o proprietário para
produzir não apenas para sua subsistência, mas também fazer seu pé-de-meia e poder adquirir um
pedaço de terra próprio, sua casa, etc., sem depender de programas sociais...
Todos eram livres! Hoje se vive uma espécie de escravidão consensual.
Não se vive de teorias. Governar fazendo cortesia com chapéu alheio
(cobrando impostos de quem trabalha e produz) transformou o país em um antro de
corruptos. Toda a solidez do país foi pelos ares por
culpa de um Estado corrupto, mastodôntico, incompetente. Fazer ‘revolução
social’ é meio de vida para os
desocupados e preguiçosos.
O ‘Baú’ – todos querem. O trabalho
que dá ter responsabilidade que implica em
ser seu próprio provedor, isso eles não
querem, não.
- O que incomoda a um governo comunista/marxista/socialista? – Incomoda o
sucesso dos que conseguem trabalhar e produzir sem depender do Estado; incomoda
saber que há pessoas competentes para serem auto-suficientes.
Por falar em Baú, há um ditado que diz que a ‘moda’ vai passando e sendo
guardada num baú. Com o tempo abre-se o baú e o que era ‘démodé’ volta ao uso. Tomara
que o lado bonito do Brasil do passado
ressurja do Baú.