sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O BAÚ DO JOÃO PEREIRA - (RETRATOS DO BRASIL do INÍCIO DO SÉCULO XX)



Entre as lembranças que ressurgem do passado nestes dias em que a ‘crise’ política e econômica se intensificou, surgiu em minha memória o ‘Baú do João Pereira’. Isso mesmo -  um Baú de madeira, grande, com dobradiças de ferro e forte cadeado cuja chave ficava sob a responsabilidade da matriarca da família.

Num dia de festa beneficente na fazenda ‘dos Pereira’, tive a oportunidade de ver o móvel instalado no quarto do casal a menos de um metro da janela baixa que podia ser ultrapassada sem grande esforço. Houve missa, quermesse, rodeio e leilão de um lote de gado – doação de produtores da região - para angariar fundos para o asilo São Vicente de Paulo da cidade. A casa foi aberta aos convidados e a família se revezava sentando no baú, certamente como forma de segurança, ou talvez por falta de cadeiras para todos. Segundo as boas línguas, a família guardava ali uma verdadeira fortuna, produto do trabalho com a criação e comercialização de gado.

Era um tempo em que o BRASIL era um país de trabalho e respeito pela propriedade e pela família, quando havia a verdadeira solidariedade e fraternidade sem a imposição de governos e a religiosidade era motivação para o convívio social.

Como muitos outros sitiantes da região, João Pereira era um homem simples, de origem portuguesa, que adquiriu a propriedade (com recursos próprios) de um loteamento feito pelo governo com a finalidade de fixar famílias no interior e proporcionar o desenvolvimento econômico da região. Ele e a família constituída de 4 filhos e três filhas dedicaram-se a agricultura de subsistência e à pecuária - uma vida de muito  trabalho que resultou em crescimento econômico o que lhes permitia viver com conforto.

A casa grande de pé alto, construída em tijolo, com amplas janelas e portas maciças de madeira, telhado de telha francesa, era espaçosa, mobiliada com o essencial, sem luxos. Entre as comodidades, eles contavam com luz elétrica e telefone, mais o carro – Ford - com motorista para a esposa e filhas irem à cidade, além de charrete e os cavalos de raça para os filhos. Ele, o chefe do clã, normalmente andava a pé. Terno de brim claro, chapéu de abas largas em feltro escuro, botas e polainas pretas; quando circulava pelas divisas das invernadas, usava uma longa e fina vara de bambu para se defender do gado bravio.

A propriedade ficava na região do planalto a uns 6 km da cidade de Piraju; era cortada pela estrada que ligava a cidade ao bairro do Cágado; de um lado ficava a sede, a capela, os estábulos e as instalações para a industrialização do leite;  do outro lado da estrada ficava a invernada onde a manada era  mantida até ficarem prontas para a comercialização e encaminhamento para engorda nas invernadas do Mato Grosso e de Goiás. Os pequenos proprietários da região quando necessitavam ‘realizar lucros’ vendendo parte do rebanho, recorriam ao rico pecuarista. Negócio rápido, pagamento à vista em dinheiro vivo, direto do Baú.
A lenda era de que, assim como ele não sabia quantas cabeças de gado tinha nas invernadas, também não sabia quantos contos de reis tinha guardados no Baú.

Certamente, um desses modernos sociólogos socialistas/marxistas o classificaria hoje como um Coronel (!) dos tempos passados. Ledo engano. O Brasil da época (primeira metade do século XX) era um Brasil onde a livre iniciativa  permitia que cada cidadão fosse auto-suficiente, e que na cadeia econômica exercesse o papel que hoje o Estado açambarcou juntamente com o sistema financeiro.

Os tempos mudaram. A família dos Pereira, como todas as outras, deixaram a região. O que os pais fizeram, os filhos usaram e dispersaram; agora cabe aos netos recomeçar... – como reza a tradição. A última vez que estive na região o panorama era outro;  as cercas de arame farpado das invernadas haviam desaparecido; a propriedade dos Pereira mais as da vizinhança haviam sido transformadas numa imensa  ‘plantation’ de trigo – gerador de PIB.

O Brasil do século passado deu lugar a um Estado açambarcador de direitos. Assim como os Pereira, muitos outros sitiantes da região tinham reservas econômicas para viver de forma responsável, independente. 
Ah! – e os ‘sem terra’ da época? – perguntarão os apressadinhos. Havia sem terra, mas eles tinham o direito de, através de contratos particulares, arrendarem terras, ou trabalhar no sistema de meeiros, parceiros ou terceiros com o proprietário para produzir não apenas para sua subsistência, mas também  fazer seu pé-de-meia e poder adquirir um pedaço de terra próprio, sua casa, etc., sem depender de programas sociais... Todos eram livres! Hoje se vive uma espécie de escravidão consensual.

Não se vive de teorias. Governar fazendo cortesia com chapéu alheio (cobrando impostos de quem trabalha e produz) transformou o país em um antro de corruptos. Toda a solidez do país foi pelos ares por culpa de um Estado corrupto, mastodôntico, incompetente. Fazer ‘revolução social’  é meio de vida para os desocupados e preguiçosos.

O ‘Baú’ –  todos querem. O trabalho que dá ter responsabilidade que  implica em ser seu próprio provedor,  isso eles não querem, não.

- O que incomoda a um governo comunista/marxista/socialista? – Incomoda o sucesso dos que conseguem trabalhar e produzir sem depender do Estado; incomoda saber que há pessoas competentes para serem auto-suficientes.

Por falar em Baú, há um ditado que diz que a ‘moda’ vai passando e sendo guardada num baú. Com o tempo abre-se o baú e o que era ‘démodé’ volta ao uso. Tomara que o lado bonito do  Brasil do passado ressurja do Baú.