Havia à janela do meu quarto um quadro natural que pintor algum poderá pintar melhor, pois ele era musical e de uma beleza plástica muito especial. Constava de pequena mata nativa envolvendo uma singela queda d'água marulhante.
Esta é uma homenagem -lembrança de um tempo que se foi
Como a água em cascata a escorrer noite e dia:
- Salta saltinho saltitante! Salta!
Velho companheiro das noites insones,
Enquanto o pio da ave noturna se fazia ouvir
Cortando o pequeno vale cheio de ecos...
Lá no alto das pedras lapidadas,
De tantas gotas em profusão que não param de cair,
Estás, noite e dia, dia e noite uma eterna oração a orar.
E a jorrar, a cantar, a me embalar, a me despertar;
Desde sempre a passar, passar, sem sair do lugar.
O arvoredo viçoso às tuas margens,
agradecido pelo alo de benfazejas aragens úmidas,
Já não se lembra da casa do monjolo desfeita
Na voraz correnteza de forte tempestade de verão.
Salta saltinho saltitante! Salta!
Lembranças de uma vida, à minha janela enquadrado.
Noite e dia lá estiveste (e estás)– correndo, saltando, cantando...
Sem, no entanto sair do lugar.
Eu parti um dia, e voltei.
Para novamente partir...
Não sei se vou voltar.
Mas sei que apesar de você, que não para de correr e escorrer
Vai estar no mesmo lugar.
Saltando, saltitante, cantante.
Salta! Saltinho. Salta!
Não pares jamais de embalar sonhos em noites de luar,
Igual aos meus.