sexta-feira, 24 de abril de 2015

MONTEIRO LOBATO > A CRIAÇÃO LITERÁRIA INFANTIL


Introdução: - No "Dicionário Crítico da Literatura Infantil/Juvenil Brasileira - 1882-1982", a autora Nelly Novaes Coelho faz uma análise da literatura produzida no Brasil, por brasileiros, destinada às crianças e jovens; nesse trabalho organizado em forma de dicionário, por autor, ela tem como objetivo organizar um século de sua existência. Entre eles, Monteiro Lobato é o marco histórico do nascimento  do gênero infantil na Literatura Brasileira. Abordamos aqui o verbete do referido autor com destaque para as características da sua obra.
José Bento Monteiro Lobato (1882/1948) foi uma das figuras que marcou a realidade sócio econômica e cultural do seu tempo através da nova Literatura Infantil /Juvenil verdadeiramente nacional, libertando-a do esquema literário importado do Velho Mundo.
 Em carta a Godofredo Rangel, ele expressou ao amigo suas idéias a respeito da criação de um "fabulário nosso". Entre 1918 e 1944, Monteiro Lobato desenvolveu farta obra  (infantil e para adultos) onde são ressaltadas as ambiguidades da realidade nacional na primeira metade do século. Irreverente, ele narra o retrato do país que conhece: - nasceu no fim do Império, assistiu ao fim da escravidão no país, a implantação da República, o movimento Modernista (1922), fim da República Velha, a Revolução de 1930, queda do Estado Novo (1945), redemocratização do país (1946); a nível internacional: - a 1ª Guerra Mundial (1914/18), a Revolução Russa (1917), crack da Bolsa de Nova York (1929), Guerra na Espanha (1936/39), 2ª Guerra Mundial (1939-45), a explosão das bombas atômicas no Japão, início da Guerra Fria, Comunismo, etc. ..
Sua vida e obra são influenciadas  pela educação positivista progressista que recebeu - o Super Homem, o Domínio da Vontade o afastaram de outras correntes de pensamento. De um lado domina o impulso individualista (romântico-liberal), de outro o pragmatismo norte americano (a sociedade tecnológica progressista), e, finalmente, a consciência crítica num alerta para os equívocos, hipocrisias e injustiças vigentes, além das propostas socialistas às quais não aderiu, e que o Comunismo vinha propondo e realizando desde a Revolução Russa de 1917. Daí muitas das acusações de "preconceituoso" que lhe foram atribuídas.
Seu estilo se caracteriza pela fusão entre o Real e Maravilhoso anulando as fronteiras entre os dois mundos. Suas estórias são baseadas no mundo cotidiano familiar do dia a dia das crianças, ao mesmo tempo que evolui de acordo com as leis do imaginário/maravilhoso. Trata-se de uma evolução lenta que ocorre à medida que reescreve sua primeira criação "A Menina do Narizinho Arrebitado". O humor, outro traço de sua literatura infantil, oferece uma nova dinâmica aos seus contos, que de forma gaiata e irônica, ou de certa familiaridade no trato, cativa as crianças que mergulham no universo de ficção criado por ele.
Quanto à linguagem literária, deve-se considerar a época em que Lobato viveu e a cultura dominante orientada pelo pensamento racionalista do século XIX. Temos a fronteira bem nítida  entre a linguagem culta e a popular, a escrita e a falada, distinguindo a expressão disciplinada de fala e a fala espontânea. Nesse ponto ele é um modernista. Seu objetivo passou a ser o de cortar o supérfluo e dar ênfase ao trama através da inovação da linguagem com a criação de neologismos, uso da fala coloquial, da onomatopéia, etc.
Sua personagem Emília, modelo de rebeldia e individualismo, é a única personagem que evolui dentro do "Sítio do Pica-pau Amarelo"- chave do universo literário infantil lobatiano. Os demais personagens permanecem símbolos: Dona Benta, a avó ideal; Tia Nastácia - a serviçal eficiente, afetuosa, humilde, mas querida e respeitada. Dentro do universo por ele retratado não há nenhum preconceito racial. Ali está retratada uma realidade do momento. Emília é típico personagem (mandona) semelhante aos poderosos que manipulam milhões - uma sátira ao sistema econômico explorador. O Visconde de Sabugosa, Marquês de Rabicó, o rinoceronte Quindim são arquétipos.
A acusação de que Lobato seria preconceituoso parte muitas vezes por uma visão distorcida; a leitura rápida de seu a obra infantil pode suscitar dúvidas, uma vez que a concentração e o silêncio exigidos para a leitura, nos últimos tempos inexiste. E, nem todos tem paciência para ler um livro volumoso.
Hoje já não se justifica a tônica libertária, individualista que visava romper com conceitos da época. Hoje o importante é a liberdade responsável integrada a um projeto de vida. Não é nos conceitos literários que as crianças precisam romper barreiras, e sim, no desequilíbrio econômico e social vigentes. Lobato refletiu a sociedade e o tempo em que viveu e se opôs ao Sistema. Sua obra é válida como uma mediadora de um Sistema preconceituoso que deve ser eliminado, superado. Seu acentuado "aristocratismo" provém dos generosos ideais liberais que entregavam às minorias esclarecidas a responsabilidade de promover o progresso social e solucionar os problemas da humanidade.

Monteiro Lobato fez uma transição do antigo modelo literário para o novo. Sua obra exige uma análise crítica que estabeleça a sua dimensão dentro de um contexto histórico. Não se apaga a história.
Mais detalhes na obra citada.